Diálogo entre um cristão e um ETia
Por Paulo Queiroz
Estamos pensando em divulgar o evangelho no seu planeta para trazer-lhes a salvação.Evangelho? Salvação? Não entendi.
Quis dizer que, não tendo os Srs. religião alguma, pretendemos ajudá-los a conhecer a Verdade da Palavra.
Verdade? Palavra? Continuo sem entender.
Explico: fomos todos, os Srs. inclusive, criados por um Deus todo poderoso, que enviou seu filho Jesus, o qual foi sacrificado para nos salvar do pecado.
(Pensando consigo mesmo: ele nada sabe sobre nós, mas é capaz de doutrinar sobre nosso destino). Acho que o que Sr. pretende divulgar entre nós é o que conhecemos aqui como Mitologia Primitiva.
Não, não é isso, eu estou falando da Verdade emanada do livro sagrado: a Bíblia.
Livro sagrado? Eu poderia vê-lo? (recebe um exemplar e lê em poucos minutos com auxílio de um tradutor).
É um texto interessante, na verdade, vários textos, compilados, recomplicados, traduzidos e retraduzidos, escritos, reescritos e revisados milhares de vezes. E remontam a épocas bem distintas entre si, e, claro, é uma obra coletiva.
Não é isso; o Sr. não entendeu; trata-se de um texto harmonioso, preciso, realista, que expressa, sem um mínimo de contradição, a mais exata palavra do Criador; tudo foi escrito sob Inspiração Divina.
Entendo. Imagino que existam centenas de livros semelhantes entre os Senhores, referindo outros deuses, inclusive.
Certamente. Mas este é o único verdadeiro, os demais são falsos ou apócrifos.
Bem, isso já é interpretação, e, convenhamos, uma interpretação um tanto ingênua e até presunçosa. Veja: para nós, o mundo está repleto de mitos de origem, e todos são falsos do ponto de vista dos fatos; e nenhum dos livros ditos sagrados resultou do talento literário de Deus, mas dos seres (Joseph Campbell. As Máscaras de Deus. Mitologia Ocidental. S. Paulo: Palas Athena, 2004).
Compreendo sua resistência inicial, afinal é seu primeiro contato com a palavra de Deus.
Talvez. De todo modo, isso é exatamente o que nós chamamos aqui de mitologia primitiva, um relato de fábulas infantis.
Que seja; ainda assim, o Sr. não estaria disposto a ouvir o conteúdo essencial das sagradas escrituras?
Claro, sou todo ouvidos.
Pois bem, antecipo que, se o Sr. se converter, será salvo do pecado e terá a vida eterna.
Vida eterna? Pecado?
Sim, exatamente, depois da morte física, como o Sr. Jesus, o Sr. ressuscitará entre os mortos e viverá para sempre, eternamente.
Acho que uma tal doutrina não tem chances de vingar entre nós.
Por que não?
É que, para nós, uma vida eterna soaria, não como salvação, mas como maldição.
Maldição?
Sim, é que podemos viver até cerca de 1.000 anos, mas costumamos, por decisão própria, morrer por volta dos 500 anos, ingerindo a pílula da morte voluntária; logo, uma vida eterna seria um castigo. É que, para nós, a morte é boa, necessária, inevitável, e não um mal a ser temido. Cremos que, como parte da natureza, tudo no mundo deve necessariamente nascer, crescer e morrer, pois do contrário a vida seria impossível ou insuportável. Aliás, de acordo com o texto que acabei de ler (cita textualmente): “O destino do homem é o mesmo das plantas, insetos e animais: nascer, crescer, envelhecer, morrer; o mais é vaidade. “Porque o que sucede aos filhos dos homens sucede aos animais; o mesmo lhes sucede: como morre um, assim morre o outro, todos têm o mesmo fôlego de vida, e nenhuma vantagem tem o homem sobre os animais; porque tudo é vaidade. Todos vão para o mesmo lugar; todos procedem do pó e ao pó tornarão” (Eclesiastes 3:19-20).
E as doenças? As suas doenças serão curadas.
Doenças? Mas nós raramente adoecemos e, quando isso ocorre, a medicina nos socorre com grande êxito, em praticamente 100% dos casos. Mas estou curioso sobre a doutrina do pecado; fale-me sobre o pecado; o que é o pecado?
Em resumo, o pecado é uma violação das leis de Deus, especialmente uma violação aos dez mandamentos: não matar, não cobiçar a mulher do próximo etc.
Entendo. Entre nós, quase não existe homicídio; por isso, sequer cogitamos de criar regras para proibi-lo. De todo modo, se tal ocorrer, é possível ressuscitar a vítima por meio de transplantes ou similar, pois a nossa medicina é muitíssimo avançada. Quanto a cobiçar a mulher do próximo, não existe entre nós essa “mulher do próximo” ou “homem do próximo”, porque entre nós as pessoas são livres para disporem de seu corpo como quiserem. E embora existam relações estáveis entre nós, não existe o que os Sr. chama de casamento; e nem faz sentido a idéia de adultério. Portanto, não existindo a regra, não existe violação à regra, logo, seria inconcebível a idéia de um tal pecado. De mais a mais, a prática do sexo é entre nós um ritual sagrado ou quase sagrado, além de muitíssimo saudável; praticamos de todas as formas possíveis: tântrico, telepático, virtual etc. Mais: sexo é pressuposto da própria vida.
Pelo que vejo, os Srs. são uns pervertidos.
Também a idéia de perversão, como a de pecado, não faz sentido entre nós. Mas não é só: proibir desejos e paixões seria uma regra artificial e contra a vida que, no máximo, nos levaria à dissimulação e à própria perversão, de sorte que a regra seria pior do que a sua violação. De todo modo, parece-nos um tanto bizarro que um Deus se ocupe de detalhes da vida sexual de alguém e procure regrá-la.
Parece que vai ser difícil doutriná-los, mas eu não tenho dúvida de que conhecerão a Verdade e a Verdade os libertará.
Ou escravizará (disse baixinho).
O mais importante, no entanto, é que os Srs. saibam que Deus concebeu seu filho Jesus da virgem Maria, foi sacrificado para nos salvar, ressuscitou entre os mortos e é o caminho, a verdade e a vida, e, portanto, a chave para redenção de nossos pecados.
Continuo sem entender: o Sr. fala que não se deve cobiçar a mulher do próximo, mas defende um Deus que gera um filho numa mulher casada; fala de amor, e, no entanto, refere um Deus que oferece seu próprio filho inocente
Estranhíssima para alguém sem fé, mas não para quem conhece a Verdade e sabe que a Verdade liberta.
Bem, eu espero que o Sr. consiga ao menos ser ouvido na sua pregação, mas não diga que não o adverti de que semeará em solo infértil.
Veremos.
Revista Jus Vigilantibus
Com carinho,
Rev Emir Tavares